sábado, 5 de abril de 2008

Superatletas

Peguei no fórum do Pestana e achei muito interessante:

SUPERATLETAS: UMA NOVA DOENÇA
Assisti há pouco tempo uma reportagem no canal SporTV, era sobre super-atletas e o tema da reportagem era o seguinte: Superatletas, superação ou loucura? Fiquei muito impressionado com os relatos que vi e com o que pude conhecer por meio da reportagem com vários superatletas brasileiros. Cada um com sua história, seus dramas e sua luta incessante em alcançar metas.
Uma história me tocou de forma especial, tratou-se de um brasileiro de com, aproximadamente, 45 anos, superatleta muito bem preparado. Ele estava participando de uma ultramaratona no Vale da Morte. Para quem não conhece, é uma região desértica, na Califórnia – EUA, onde a temperatura está entre as mais altas do planeta e o índice de chuvas é quase zero. Era uma corrida de 140 quilômetros. Ele começou bem a prova e junto a ele, na rodovia, sua família seguia em um veículo climatizado, fornecendo hidratação e alimentos para o superatleta, além do suporte que necessitava para terminar a prova. Após várias horas correndo com um sol inclemente, ele continuava forte e bem animado, quando sua família, que seguia no veículo, começou a passar mal. Um dos ocupantes estava com uma emergência médica e precisava ser levado para o hospital imediatamente. Então, surge o grande dilema: parar ou não a corrida?
"No ano passado, um atleta europeu, esloveno, com mais de 50 anos, nadador experiente, principalmente em rios, encarou o Amazonas, da nascente, localizada no Peru, até seus limites, em Belém, onde o rio deságua no oceano Atlântico"
Depois do episódio angustiante e sob forte estresse o superatleta decidiu parar a prova e seguir com sua família para o hospital. Ele não conseguia esconder a decepção. Ficou arrasado e deprimido por ter desistido da prova. Meses se passaram, mas ele chora ao lembrar que não pode terminar a prova. Mal comenta a emergência médica de sua família, sentindo-se derrotado e punindo-se com a lembrança do abandono da prova.
No ano passado, um atleta europeu, esloveno, com mais de 50 anos, nadador experiente, principalmente em rios, encarou o Amazonas, da nascente, localizada no Peru, até seus limites, em Belém, onde o rio deságua no oceano Atlântico. Nadou uma distância de, aproximadamente, 5.000 km, em períodos de 13 a 15 horas por dia. Ao terminar a prova, estava tão enfraquecido que foi hospitalizado, com queimaduras na pele, desidratação, insuficiência renal, desnutrido e em surto psicótico.
“Convulsões durante as provas, cefaléias, acidente vascular cerebral são algumas das complicações médicas possíveis em superatletas”
Dois brasileiros participaram de uma prova ciclística atravessando os Estados Unidos em 13 dias e chegaram praticamente mortos. A prova é de 5000 km e o recordista terminou em 8 dias.
O conhecido comentarista e preparador físico Lauter Nogueira dá suporte a um superatleta brasileiro. Um senhor muito humilde de 53 anos. Durante as provas ele come sanduíches. Foi desagradável ver o Lauter Nogueira dar mistos-quentes para o atleta, que os ingeria com uma ou duas mastigadas. Este atleta realiza treinamentos diários “normais” de 8 ou 9 horas. Já participou de provas com o braço quebrado, nadando com um braço só. Recentemente participou do deca-triatlon.

Quem são os superatletas? Como podemos identificá-los?
Definirei, em linhas gerais, e espero que no futuro outros autores possam melhorar minha sinopse.
1 – São atletas que treinam três ou mais horas, por dia, todos os dias da semana. Não fazem pausas e nem tiram férias dos exercícios.
2 – Nos finais de semana, em treinamento normal, fazem longos de 6 horas, podendo chegar em 8 ou 9 horas diárias.
3 – Participam de provas com duração que ultrapassa 12 horas. Alguns participam de provas que duram dias.
4 – Não conseguem fazer uma pausa de 7 ou 10 dias, sem praticar esportes.
5 – Usam o trabalho apenas como meio para manter o esporte que pratica. Se pudessem, seriam profissionais do esporte.
6 – Usam a família ou amigos como o time de apoio. Negligenciam momentos familiares, contatos sociais e viagens que não sejam para o esporte.
7 – Vivem dedicados 24 horas para o esporte. Praticam exercício por muitas horas, alimentam-se e dormem. Todo o resto deixa de ser importante.
8 – Pensam obsessivamente nas provas, nos treinos a serem realizados compulsivamente e sempre ficam relembrando planilhas, tempos realizados e estratégias para provas cada vez mais difíceis.
Como surgem os superatletas?
Normalmente, são homens de mais de 35 anos, a maioria com mais de 40, que foram sedentários por alguns anos e iniciaram a prática de exercícios para manter a forma e perder peso. Então, começam a correr e logo querem participar de provas. Iniciam com provas de 5 ou 10 km e logo correm a São Silvestre. Depois de um certo tempo, vêm as maratonas. Alguns, não satisfeitos com as maratonas, começam a preparação para as provas de 70 ou 80 km. A próxima meta é 100 km, que representa um número mágico e fascina os superatletas. Depois vem todo o resto: ultramaratonas de até 300 km. Provas de ciclismo de 5.000 km, travessias de natação de 20 ou 30 km, entre outras.
Quais são as complicações médicas possíveis em um superatleta?
A – Sistema nervoso central: convulsões durante as provas, cefaléias, acidente vascular cerebral, sintomas psiquiátricos como transtorno obsessivo-compulsivo, surtos psicóticos podem ocorrer em provas muito longas, depressão e mal-humor em períodos de pausa do treinamento ou convalescença de lesões.
B – Aparelho cardiovascular: taquiarritmias como fibrilação atrial, parada cardio-respiratória, picos de hipertensão arterial. Falência miocárdica aguda e necrose tecidual por infarto agudo do miocárdio.
C – Metabolismo: desidratação grave, hiponatremia (sódio), hipotassemia (potássio), hipocalcemia (cálcio), hipomagnesemia (magnésio) e hipoglicemia severa. Não se hidratam adequadamente durante as provas por sentirem dores gástricas e por detestarem fazer pausas para urinar, que acham perda de tempo.
D – Aparelho locomotor: lesões musculares são bastante comuns, fascites plantares são extremamente comuns, lesões de tendões como tendinites e ruptura tendínea, fraturas de estresse em 69 % ocorrem em corredores de endurance, hérnias de disco lombares e cervicais são desenvolvidas pelos corredores de endurance, lesões de articulação do tornozelo, joelho e do quadril são bastante comuns e incapacitam os superatletas a continuarem sua prática. Joelhos, com lesões de ligamentos e de cartilagem, são bastante afetados.
E – Doenças associadas ao esforço físico dos superatletas: insuficiência renal aguda, por causa pré-renal devido à desidratação e também por eventual liberação de mioglobinas por micro-lesão muscular disseminada, esta como uma causa no parênquima renal. A mioglobina, proteínas das fibras musculares, é altamente tóxica para os rins e pode ser muito grave uma insuficiência renal com mioglobinúria. Pode levar a falência renal, necessitando de diálise renal e podendo mesmo ser necessário transplante renal. Gastrite aguda e úlceras gastro-duodenais hemorrágicas podem ser desencadeadas por exercício fatigante. Baixa imunidade, favorecendo infecções oportunistas como viroses, doenças por fungos e mesmo por bactérias bastante resistentes. Anemia também é comum.
O que motiva os superatletas?
São pessoas comuns e que nunca foram esportistas profissionais. Quando começam a participar de provas cada vez mais longas, eles se transformam em “mini-celebridades”. Tornam-se heróis para si próprios e para suas famílias. Seus filhos os estimulam e, na escola, contam que o pai correu 140 km. As esposas por verem os maridos longe do sedentarismo e das farras, apóiam os cônjuges nos treinamentos e provas. No escritório, viram super-homens, Clarks Kents que usam o trabalho para manter o esporte. Os superatletas, que passaram quase a vida toda na obscuridade, de repente, se tornam reconhecidos e recebem elogios e apoio. Para ganhar cada vez mais notoriedade, sempre querem fazer provas cada vez mais longas. Maratona no Pólo Sul, 300 km no Saara, atravessar o Canal da Mancha, atravessar os Estados Unidos em uma bicicleta. A obsessão não tem fim.
Se sentem onipotentes e sempre querem novos desafios ou participar de provas mais longas ou repetir as provas em tempos menores. No fundo, eles sabem que não são esportistas competitivos. Nem entre os masters, a nível regional ou nacional teriam chance de boa classificação. O seu principal objetivo é concluir as provas. Para um superatleta, desistir no meio da prova é a pior coisa que pode acontecer. Sentimento de derrota e falta de capacidade. Derrota para eles é parar ou desistir, melhor seria morrer correndo.
Como conseguem gastar enormes quantidades de calorias, podem comer muito. De 5.000 até 7.000 calorias por dia, sem engordar. Então, tornam-se glutões crônicos. Quando fazem uma pausa dos exercícios, não ficam à vontade, porque continuam a comer muito e assim acham que vão engordar e perder a forma física. Correm, nadam e pedalam muito, mas comem muito e sentem prazer por isso. Aqui, podemos dizer que são hedonistas.
Existem graus variados de vigorexia (dependência ao exercício). Preocupam-se excessivamente com seu corpo. Sempre acham que podem melhorar mais, e ficar com o corpo mais bonito, caso façam mais exercícios ou pratiquem modalidades diferentes como a musculação, por exemplo. São bastante autocríticos e apresentam comportamento narcisista.
Como médico neurologista e psiquiatra, vejo essa forma de praticar exercícios como uma doença. Assim como viciados em sexo ou jogos, os superatletas ficam viciados pela sensação inebriante dos neurotransmissores serotonina, dopamina e noradrenalina, liberados pela prática de muitas horas de esporte. Eles se autoflagelam e se torturam em busca de objetivos que não levam a nenhuma glória. Expõem-se a riscos absurdos apenas para terem um corpo bonito, notoriedade e pelo vício do prazer causado pela busca da euforia. Ficam deprimidos e mal-humorados quando param alguns dias apenas. Negligenciam a vida pessoal, familiar e social, para poderem praticar abusivamente seus esportes.
Na minha opnião, a doença dos superatletas é algo que ainda deva ser bastante estudada. Ainda não foi reconhecida como doença pelas entidades médicas. Hoje existem 55 mil superatletas aproximadamente, no mundo. Este número vem aumentando a cada ano.
Faço um apelo a professores de educação física e preparadores físicos para que não dêem apoio e suporte aos exageros. Pelo contrário, que as desencorajem para tal prática que, além de levar a flagelação e degradação, é uma possível doença clínica, portanto bastante prejudicial à saúde desses esportistas.

Dr. Paulo Vicente de Almeida Médico Neurologista e Psiquiatra
paulovicentecma@uol.com.br

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